A difícil luta contra o derramamento de sangue nas estradas peruanas
"Nada será igual com sua família em um caixão". Elmer Cornelio perdeu a esposa, dois filhos e dois irmãos em um passeio de domingo. A caminhonete em que viajavam foi atingida por um ônibus, em um dos muitos acidentes nas estradas do Peru.
Ônibus caídos em abismos, colisões frontais de veículos, faixas invadidas... As cenas se repetem principalmente aos finais de semana.
Entre 2021 e 2023, houve uma média anual de 3.000 mortes nas estradas, segundo o Observatório Nacional de Segurança Viária do Ministério dos Transportes (ONSV), que relaciona a alta dos acidentes a três causas principais: imprudência ao volante, excesso de velocidade e embriaguez.
Até o início de maio, 970 pessoas haviam morrido nas estradas. E ainda faltam a temporada de férias escolares e vários feriados, incluindo os de final de ano, quando os sinistros costuma aumentar.
No Peru, a taxa de mortalidade por acidentes de trânsito foi de 14 pessoas por 100.000 habitantes em 2019, em comparação com a média de 17 vítimas por 100.000 nas Américas, segundo o Banco Mundial.
Em 2023, foram registrados oficialmente 87.172 acidentes, que resultaram em 3.138 mortes.
Os esforços das autoridades para melhorar a fiscalização conseguiram reduzir a taxa para 9,5 mortes por 100.000 habitantes no ano passado, mas o derramamento de sangue nas estradas continua.
- "Jamais nos recuperaremos" -
Cornelio perdeu sua família em março. Um ônibus invadiu a faixa contrária da rodovia Panamericana e colidiu com a caminhonete familiar, a 147 km ao norte de Lima.
Este agricultor de 36 anos estava à frente em outro veículo com alguns trabalhadores. Sua esposa, seus dois filhos, dois irmãos e uma cunhada jamais chegaram ao local de encontro.
"Meu coração se partiu, jamais nos recuperaremos disso. Agora nos resta um vazio", conta com a voz embargada à AFP.
No mês passado, em apenas quatro acidentes houve 60 mortes, um número não incluído no balanço até o início de maio.
"Embora seja verdade que existam fatores que contribuem, como o clima, o estado de um veículo ou de uma estrada, o fator humano é predominante e determinante", afirma à AFP Larry Ampuero, porta-voz da Superintendência de Transporte (Sutran).
Segundo esse órgão, 70% dos acidentes ocorrem em cidades e 30% em estradas.
"Há informalidade por falta de fiscalização, mas também não há uma boa rede viária, temos uma infraestrutura em mau estado e falta de manutenção", afirmou por sua vez Martín Ojeda, gerente do sindicato de transporte interprovincial à rádio RPP.
- Cansaço fatal -
O fator humano está relacionado em muitos casos ao cansaço dos motoristas do serviço de transporte público. A lei estabelece um limite de dez horas diárias para que conduzam ônibus.
"Os motoristas geralmente sofrem de sonolência ou cansaço porque trabalham mais horas do que o permitido", diz à AFP Luis Quispe, diretor da Luz Ámbar, uma ONG que estuda o fenômeno do alto índice de acidentes.
O sindicato de serviço interprovincial afirma que cumpre as normas e que cada ônibus viaja com um motorista substituto, algo que os condutores questionam.
"A culpa é de certos fatores, tanto do motorista quanto da empresa que nos faz trabalhar muitas horas, praticamente 24 horas", afirma à AFP o motorista de ônibus Julio Camarena.
"Também tem a ver com o estado das estradas, que é péssimo a nível nacional, diríamos na maioria delas", acrescenta Camarena, de 51 anos, no terminal de ônibus de Yerbateros em Lima.
- Negligência estatal? -
Por sua vez, a Associação de Vítimas de Acidentes de Trânsito (Aviactran) aponta a indolência das autoridades e a falta de justiça como os maiores problemas nas estradas.
"O Estado não se preocupa com o aumento dos acidentes, não quer resolver o problema", afirma à AFP Carlos Villegas, presidente desta organização.
Segundo Villegas, houve "mais de 36.000 acidentes" até o momento em 2024.
"As autoridades são responsáveis por todos os acidentes de trânsito, por isso vamos processá-las judicialmente", enfatiza.
Ele acrescenta que 80% das vítimas de acidentes não recebem justiça em suas ações contra empresas e autoridades devido à "corrupção" do sistema.
"Nos sentimos muito decepcionados com o Estado", lamenta Villegas, que criou a Aviactran porque um médico que dirigia alcoolizado feriu gravemente seu filho de nove anos em 2006.
V.Vega--LGdM