Para fornecer asilo, app americano funciona como um 'bingo' para os migrantes na fronteira
Grande parte da busca por asilo nos Estados Unidos dependerá de um aplicativo para celular a partir desta sexta-feira (11). A tecnologia alternativa parece desconectada da dramática realidade de sua fronteira, onde celular, Wi-Fi e eletricidade são luxos.
O CBP One, aplicativo do Escritório de Alfândega e Proteção de Fronteiras (CBP, na sigla em inglês), foi pensado para direcionar os pedidos de asilo aos Estados Unidos.
Os migrantes reunidos no México lamentam frustrados pelas falhas desta ferramenta, que possui 2,5 estrelas na avaliação da Apple Store.
"É algo incomum que um aplicativo praticamente decida nossa vida e nosso futuro", disse à AFP o venezuelano Jeremy de Pablos, de 21 anos, que está acampado em Ciudad Juárez há semanas.
O jovem disse que o mais difícil foi o reconhecimento facial: "É um bingo, reconhece quem quer".
"O aplicativo é o muro, e não aquele", acrescentou De Pablos, apontando para o muro imponente que cerca a fronteira entre os EUA e México.
O governo de Joe Biden lançou o CBP One em janeiro, perante ao iminente fim do Título 42 - norma sanitária ativada pelo governo do ex-presidente Donald Trump para frear a pandemia da covid-19.
O Título 42, que expira à meia-noite desta quinta-feira, autorizou a expulsão de quem cruzasse a fronteira sem visto ou documentação necessária para entrar, mas com exceções.
Desde sua ativação em 2020, aproximadamente três milhões de pessoas em busca de asilo foram expulsas - principalmente para o México, onde acampamentos improvisados foram erguidos.
A atual gestão dos Estados Unidos irá ativar, nesta sexta-feira, novas regras de asilo que colocam o CBP One como primeira etapa do processo, sob pena de deportação para quem pisar nos Estados Unidos sem agendar no aplicativo.
Assim como as horas para se registrar no CBP One, as autoridades ampliaram a cota diária fornecida. Entretanto, ainda é uma ferramenta restringente.
Muitos migrantes fazem jornadas cansativas para chegar à fronteira dos Estados Unidos, onde chegar é uma conquista. Seus telefones são roubados ou danificados quando precisam atravessar os rios. Alguns mantêm seus celulares, mas são dispositivos obsoletos ou acabados.
Os migrantes que aguardam em Ciudad Juárez vivem em tendas, sem eletricidade. Eles carregam seus telefones em postes emaranhados de cabos.
Eles priorizam cada moeda para comprar saldo telefônico e ter internet. E é neste momento que a segunda parte do desafio começa: "Olha, está travado", diz Ronald Huerta, um venezuelano que nesta quarta-feira não conseguiu passar das configurações de idioma do aplicativo.
A poucos metros de distância, Ana Paola, de 14 anos, chorava porque o aplicativo havia sido atualizado e todas as informações sobre ela e sua família haviam sido apagadas.
"Estou cansada! Não aguento mais!", reclamava a adolescente, enquanto clicava incessantemente em "Enviar" para recriar os perfis familiares mas recebia como resposta a mensagem "Erro 500".
"Foi um grande pesadelo, foi um tormento. Este aplicativo nos causou danos emocionais e psicológicos", disse seu pai, Juan Pavón, um comerciante que veio da Venezuela com sua família.
Eles tinham apenas um iPhone antigo, com o qual sua esposa tentou durante semanas marcar um horário para a fmília no CBP One. Quando ela recebeu a confirmação de um horário, indicava apenas o dela.
A família está, agora, separada nos dois lados da fronteira. Conforme o Título 42 chega ao fim, a ansiedade aumenta e muitos perdem a paciência, atravessando ilegalmente para os EUA.
"É frustrante que esta parte importante do processo seja deixada à mercê de uma tecnologia que muitas vezes falha e não é acessível a todos", disse o advogado sênior do Conselho de Imigração Americano, Raúl Pinto.
Washington anunciou, nesta semana, que o aplicativo irá evoluir para um sistema virtual com maior capacidade.
"Temos esperanças de que resolvam alguns problemas", continua Pinto, "mas estamos muito desapontados por não haver alternativa para as pessoas acessarem algo tão importante que pode salvar vidas como o processo de busca por asilo".
A.M. de Leon--LGdM