No Equador, esquerda e direita recorrem a candidatas religiosas
Profundamente religiosas, contrárias ao aborto e a favor dos valores da família tradicional. Em lados opostos na política, a presidenciável esquerdista Luisa González e a direitista Verónica Abad, candidata a vice-presidente na chapa de Daniel Noboa, convergem no conservadorismo social com vistas ao segundo turno no Equador.
Neste país laico e de maioria católica, onde a violência do narcotráfico domina o debate eleitoral, os candidatos seculares ficaram de fora do segundo turno de 15 de outubro.
Causas como a descriminalização total do aborto - alvo de uma longa batalha entre os legisladores, juízes constitucionais e o poder Executivo - ficarão órfãs.
O assassinato, no início de agosto, do presidenciável centrista Fernando Villavicencio - favorável ao aborto - e a derrota nas urnas do direitista Jan Topic - de tendência liberal nas pautas sociais - obrigarão o eleitor a escolher entre dois representantes dos valores tradicionais.
A direita é representada por Noboa, filho de um dos homens mais ricos do país e acompanhado na chapa eleitoral por Abad, uma autoproclamada "mulher clássica", católica, descrente das lutas feministas e contrária à legalização do aborto, da eutanásia e das drogas.
Na cabeça de chapa da candidatura esquerdista está a evangélica González, progressista na área econômica, mas com posturas socialmente conservadoras como a defesa da família tradicional e ferrenha oposição ao aborto, um legado de seu mentor, o ex-presidente Rafael Correa (2007-2017).
Na América Latina é comum a participação das igrejas na vida pública, mas elas permeiam cada vez mais entre as correntes de esquerda com uma retórica híbrida entre conservadorismo e socialismo.
- Fora da agenda -
Abad tem sido alvo de críticas por declarações nas quais questiona dados de feminicídio ou o salário igualitário.
"Se eu escolhi ser mãe, eu vou ter que trabalhar menos porque meu papel de mãe vai me exigir mais tempo. Como posso querer ganhar igual a um homem?", disse em uma emissora.
Por sua vez, González é herdeira da ideologia "profundamente conservadora no social" de Correa que segue dominando a esquerda, explica à AFP Simón Pachano, pesquisador da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso) de Quito.
Em 2013, o então presidente acusou de "traição ideológica" um grupo de legisladoras da base governista que promoveu a descriminalização do aborto em casos de estupro. Seu partido as puniu com uma suspensão de um mês.
- Antiaborto -
Apesar de progressista, González propõe uma agenda social "muito limitada e muito ambígua em termos de direitos sociais e reprodutivos", expressou Cristina Vega, professora de Estudos de Gênero da Flasco, em uma entrevista à Wambra Radio.
Diferentemente da vizinha Colômbia - onde os tribunais aprovaram a descriminalização do aborto, da eutanásia e do consumo de drogas sem maior oposição do Executivo -, no Equador "as autoridades fecharam o caminho" para essas transformações, apontou, por sua vez, Pachano.
"Permitir o aborto mediante estupro? Não se enganem. Os que defendem isso, são (a favor) da total liberação do aborto, e essa é a porta que querem deixar aberta", disse Correa durante seu governo.
À época, somente as mulheres estupradas com problemas mentais ou em risco de vida podiam interromper voluntariamente suas gravidezes. As demais eram expostas a até dois anos de prisão.
A.Sandoval--LGdM