Cobertura da guerra Israel-Hamas, um desafio sem precedentes para a imprensa
Propaganda, impossibilidade de ir a Gaza, pressão nas redes sociais e opinião pública inflamada são algumas das dificuldades que os grandes veículos de comunicação ocidentais enfrentam na cobertura da guerra entre Israel e o Hamas, o que os obriga a redobrar a cautela.
"Esta guerra é uma das histórias mais complexas e polarizadas que alguma vez cobrimos", disse Deborah Turness, presidente da seção de notícias do grupo audiovisual britânico BBC, em uma publicação online na quarta-feira (25).
Primeira particularidade: a impossibilidade de jornalistas estrangeiros irem para Gaza, devido ao bloqueio israelense e à falta de acesso através do Egito.
Apenas jornalistas palestinos estão presentes, fornecendo imagens e informações aos meios de comunicação internacionais. Mas eles estão limitados pelos bombardeios e pela escassez de gasolina e eletricidade.
Segundo seu sindicato, 22 jornalistas morreram na Faixa de Gaza desde o início da guerra, deflagrada após um sangrento ataque lançado pelo movimento islâmico palestino em solo israelense, em 7 de outubro.
"Em outros conflitos, sempre pudemos ter enviados especiais. Nossas equipes em Gaza estão isoladas do mundo", relata Phil Chetwynd, diretor de Informação da AFP, que tem um escritório na Faixa de Gaza.
A agência de notícias tem, ali, uma equipe com uma dúzia de jornalistas. Tiveram de sair da Cidade de Gaza, em direção ao sul do território, onde vivem em condições precárias, alguns deles em barracas.
Em Israel, o governo registrou um número impressionante de 2.050 jornalistas que chegaram para cobrir o conflito. Os mais numerosos são os americanos (358), os britânicos (281) e os franceses (221). A Ucrânia, um país em guerra, enviou dois.
- Hospital -
Como consequência da "asfixia midiática" em Gaza, segundo os termos da ONG Repórteres Sem Fronteiras (RSF), os veículos de comunicação dependem "das fontes 'oficiais' de cada parte, sem poder verificar sua veracidade", lamentou a Federação Internacional de Jornalistas (FIJ) em um comunicado.
"Confundindo velocidade com pressa, muitos meios de comunicação publicaram informações e imagens falsas, não contextualizadas e não verificadas", critica a FIJ.
Dois casos marcaram a opinião pública.
O primeiro: as afirmações sobre a decapitação de bebês por parte do Hamas, amplamente repetidas sem poderem ser verificadas.
"Deveria ter sido mais prudente com minhas palavras", desculpou-se a apresentadora da CNN Sara Sidner, na rede social X (antigo Twitter), em 12 de outubro.
O segundo e mais controverso é o caso do hospital árabe Ahli, em Gaza.
Em 17 de outubro, muitos meios de comunicação, incluindo a AFP, informaram sobre as afirmações do Ministério da Saúde do Hamas de que "entre 200 e 300" pessoas teriam morrido em um ataque a este hospital, o qual foi atribuído a Israel.
Israel negou e disse que foi um "ataque fracassado com foguetes", lançado pelo grupo palestino Jihad Islâmica.
- 'Mea culpa' -
Desde então, muitos meios de comunicação se inclinaram para essa versão, com base em fontes dos serviços de Inteligência, ou análises de vídeo. Mas não há certeza, nem mesmo quanto ao número de vítimas.
Essa situação levou o jornal americano The New York Times e o francês Le Monde a um "mea culpa" público.
"As primeiras versões da cobertura (...) se baseavam muito nas afirmações do Hamas e não indicavam claramente que essas afirmações não puderam ser verificadas imediatamente", reconheceu o jornal americano na segunda-feira.
"Faltou-nos cautela", admitiu o jornal francês na terça-feira.
"Posso ver pontos frágeis na forma como apresentamos a informação: éramos obrigados a comunicá-la, mas, em retrospecto, poderíamos tê-la escrito com mais cautela na formulação e com mais contexto sobre o que não sabíamos", disse Phil Chetwynd, da AFP.
"É fácil em retrospecto, mas nas notícias em tempo real é menos óbvio", continua ele.
A tarefa é complicada pelo fato de que a menor declaração, a menor imagem que seja, pode se tornar viral nas redes sociais e provocar acusações de parcialidade por parte de uma opinião pública já muito dividida.
"Em qualquer guerra, saber as coisas com certeza leva tempo. É particularmente difícil neste caso, dadas as paixões de ambos os lados (...) e a forma como se analisa nossa cobertura", disse um dos responsáveis pelo jornal americano The Washington Post, Douglas Jehl, no podcast Recode Media.
Daí a importância do vocabulário e, por isso, os veículos estabelecem orientações internas sobre as palavras a usar e a evitar.
As mais complexos são "terrorismo" e "terrorista". A BBC foi criticada por não chamar o Hamas assim, ao que o grupo respondeu que usava esses termos somente entre aspas.
Essa também é a política da AFP.
S.Lopez--LGdM